ANS avalia novo modelo de plano de saúde: avanço ou risco ao consumidor?

A proposta em consulta pública permite planos de saúde específicos apenas para consultas eletivas e exames, excluindo atendimentos de urgência e emergência.

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) abriu uma consulta pública para discutir a implementação de um sandbox regulatório, um ambiente experimental para testar um novo modelo de plano de saúde.

A proposta permite a oferta de planos com cobertura exclusiva para consultas eletivas e exames, sem incluir atendimentos de urgência e emergência. A consulta está aberta para contribuições até 4 de abril.

Segundo a ANS, a iniciativa busca oferecer uma alternativa regulada a consumidores que recorrem a clínicas populares ou a serviços de desconto, que atualmente não são fiscalizados. No entanto, especialistas questionam a efetividade da medida e seus impactos na segurança dos beneficiários.

Para a advogada Giselle Tapai, especialista em direito à saúde, a ideia é questionável, pois em casos de emergência, como a necessidade de uma cirurgia ou internação, os custos podem ser proibitivos para a maioria da população.

Nesse cenário, explica Tapai, as pessoas de menor renda seriam as mais afetadas, pois não teriam condições de pagar por tratamentos urgentes. “Um plano que cobre apenas consultas eletivas, excluindo urgências e emergências, pode comprometer a assistência necessária”, argumenta.

Outro ponto levantado pela advogada é a limitação no acesso a exames em situações urgentes. “Caso um paciente precise de um exame de imagem com rapidez, ele terá que passar pelo agendamento de consulta antes, o que pode retardar o diagnóstico e o tratamento adequado”, alerta.

“Imagine uma criança que quebra o pé durante uma partida de futebol ou uma pessoa com sintomas de Covid-19? Esse tipo de plano não daria acesso imediato a exames como raio-x ou hemograma em situações emergenciais”, exemplifica Tapai.

Atualmente, o mercado oferece diferentes tipos de planos de saúde, como:

  • Planos ambulatoriais, que incluem consultas, exames e urgências com internações de até 12 horas;
  • Planos hospitalares, que cobrem apenas internações e procedimentos hospitalares;
  • Planos referência, que abrangem todas as coberturas anteriores.

Por outro lado, o advogado sanitarista e professor da USP, Silvio Guidi, aponta que a proposta enfrenta resistência da população, refletindo a relação conturbada entre consumidores e operadoras de saúde.

“Tais medidas sempre encontraram forte oposição pública, pois há uma percepção de que operadoras priorizam o lucro em detrimento da cobertura. Isso justifica o alto número de ações judiciais contra o setor”, analisa Guidi.

Por outro lado, a Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde) defende a proposta, alegando que ampliará o acesso à saúde privada e reduzirá o tempo de espera por consultas e exames.

“Esse modelo fortalece a prevenção e o diagnóstico precoce, além de oferecer uma alternativa segura aos serviços de desconto, que não possuem regulamentação”, afirma Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge.

Ribeiro destaca ainda a importância de uma comunicação clara com os consumidores. “É fundamental que os beneficiários compreendam as especificidades desse modelo e escolham a cobertura que melhor atende suas necessidades”, enfatiza.

O uso do sandbox regulatório para testar esse novo formato de plano também gera debates. Guidi considera a ferramenta um “padrão-ouro na regulação”, pois permite testes controlados antes da implantação definitiva.

“Esse ambiente permite uma avaliação segura e monitorada, garantindo que eventuais riscos sejam minimizados antes da expansão do modelo”, argumenta o professor.

Em contrapartida, Tapai questiona a aplicabilidade do sandbox no setor de saúde, alertando para riscos ao atendimento. “Esse experimento pode mascarar problemas fundamentais que deveriam ser abordados de forma direta”, pondera.

O que acontece após a consulta pública?

A ANS informa que operadoras interessadas em aderir ao modelo experimental deverão criar um novo produto no formato coletivo por adesão, respeitando as diretrizes regulatórias.

As empresas participantes precisarão oferecer incentivos para beneficiários que se engajarem em programas de cuidado e permanecerem no plano após o período de teste, que terá duração de dois anos. Ao fim desse período, a ANS avaliará a viabilidade da proposta.

“As operadoras deverão apresentar um plano de atuação para garantir que os testes gerem resultados sem comprometer a saúde dos beneficiários”, explica Guidi.

A ANS determinará, entre outros fatores:

  • O prazo de duração da experiência;
  • O número máximo de participantes;
  • Medidas para mitigar riscos potenciais.

Ao término do período experimental, os dados serão analisados para definir se o modelo será incorporado à regulação do setor, conclui Guidi.