Carteira Dolarizada: Por Que Investir no Exterior Vai Além da Alta do Dólar?

Situações como essa nos fazem lembrar de dois conceitos pouco discutidos no dia a dia: as reservas internacionais e a importância da diversificação global dos investimentos.

No final de 2024, o mercado financeiro brasileiro atravessou um dos momentos mais turbulentos dos últimos anos, comparável aos desafios enfrentados durante a pandemia e à crise econômica do governo Dilma. A vitória de Trump nas eleições norte-americanas, as decisões fiscais adotadas pelo governo e os fluxos cambiais sazonais resultaram em um fechamento de ano extremamente negativo. O índice Ibovespa recuou mais de 4% no mês e acumulou perdas superiores a 10% ao longo do ano. O dólar registrou uma alta superior a 3% no mês, totalizando uma valorização impressionante de 27% em 2024. Além disso, os juros futuros para 2027 subiram de menos de 10% para quase 16%, enquanto a inflação projetada pelo mercado aumentou três pontos percentuais. Esses períodos de instabilidade ressaltam a importância de dois conceitos frequentemente subestimados: a existência das reservas internacionais e a diversificação global dos investimentos.

No mês de dezembro, é comum que multinacionais remetam parte de seus lucros às matrizes e que os bancos ajustem suas posições por questões tributárias e de gerenciamento de risco, o que gera pressão sobre o câmbio. Em 2024, além desse fator sazonal, o mercado foi impactado pelo anúncio de um pacote fiscal inadequado, que buscava frear o crescimento dos gastos públicos ao mesmo tempo em que promovia cortes de impostos. Esse cenário aumentou as preocupações dos investidores sobre a credibilidade econômica do país, incentivando o envio de recursos para o exterior. A eleição de Trump e as primeiras diretrizes de seu governo intensificaram ainda mais essa movimentação, fortalecendo o dólar globalmente.

As reservas internacionais desempenharam um papel fundamental para mitigar a saída de capital do Brasil durante esse período. O final do ano já é marcado por um aumento nos envios de recursos ao exterior, principalmente por parte de empresas e instituições financeiras, e em 2024 essa tendência foi amplificada pela instabilidade econômica interna e pela valorização do dólar no mercado global.

Em dezembro, o Banco Central utilizou mais de US$ 30 bilhões das reservas internacionais, sendo US$ 22 bilhões em venda direta de dólares e US$ 11 bilhões por meio de operações compromissadas de recompra. Como essas últimas não impactam diretamente o volume total das reservas, o montante líquido sob gestão do BC caiu de US$ 367 bilhões para US$ 342 bilhões. Considerando também os swaps cambiais, a posição líquida do Banco Central em moeda estrangeira supera os US$ 230 bilhões.

Há anos o Brasil não realiza compras significativas de moeda estrangeira, o que pode levantar questionamentos sobre a suficiência das reservas internacionais. No entanto, os indicadores utilizados para essa avaliação demonstram que o Banco Central mantém uma posição confortável para atuar em períodos de crise. As reservas atuais cobrem 16 meses de importação e representam mais de 3,5 vezes o valor da dívida externa pública e privada com vencimento nos próximos 12 meses.

Outro parâmetro importante é a relação das reservas com o agregado monetário M2, que engloba a base monetária, depósitos bancários, fundos e títulos. Esse índice avalia a capacidade do país de sustentar eventuais fluxos de saída de capital. Atualmente, as reservas correspondem a 30% do M2, um nível considerado adequado.

Independentemente do volume de reservas internacionais, os princípios da teoria financeira indicam que a diversificação geográfica dos investimentos é essencial para a maioria dos investidores. Situações como a vivida em 2024 reforçam essa necessidade. O propósito de manter ativos no exterior não é simplesmente obter ganhos com a valorização do dólar, mas sim reduzir a correlação dos investimentos com a economia doméstica e diversificar fontes de renda.

O avanço tecnológico e a maior facilidade de acesso aos mercados globais tornaram a diversificação internacional mais acessível e econômica. Atualmente, qualquer investidor pode enviar recursos ao exterior e acessar diferentes classes de ativos por meio de plataformas digitais. Além disso, os ETFs – fundos negociados em bolsa – desempenham um papel crucial nesse processo, permitindo a exposição a títulos públicos de diversos países, papéis corporativos de variados níveis de risco, moedas, commodities, fundos imobiliários e ações de setores não disponíveis no Brasil.

Os brasileiros ainda possuem um dos menores percentuais de investimento internacional do mundo, reflexo das barreiras regulatórias e tecnológicas do passado, além da histórica atratividade das taxas de juros domésticas. No entanto, o crescente acesso a fundos globais e ações estrangeiras, especialmente via ETFs, tem incentivado essa diversificação, prática amplamente recomendada pela teoria financeira.

Embora o Brasil apresente um nível adequado de reservas internacionais e não registre déficits no balanço de pagamentos, a alocação de investimentos no exterior não deve ser encarada apenas como um mecanismo de proteção contra cenários adversos ou desvalorizações cambiais extremas. Trata-se de uma estratégia estruturada de longo prazo, voltada para a otimização da relação risco/retorno das carteiras de investimento.