
O que pode parecer loucura para muitos se tornou uma revolução científica. Um entusiasta de cobras nos Estados Unidos passou mais de 20 anos injetando venenos letais em seu próprio corpo. Agora, essa experiência extrema está ajudando pesquisadores a desenvolver um antídoto inovador contra picadas de cobra, com potencial para salvar milhares de vidas em regiões vulneráveis.
Anticorpos humanos abrem caminho para novo antídoto
O norte-americano Tim Friede, de 55 anos, dedicou grande parte da vida a um experimento autodirigido: tornar-se imune ao veneno de cobras. Para isso, injetou pequenas doses de toxinas em si mesmo por mais de duas décadas. O resultado? Mais de 850 exposições e cerca de 200 picadas, muitas delas voluntárias.
Seu objetivo era claro: estimular seu sistema imunológico a reconhecer e neutralizar os venenos. Apesar das consequências severas — febres, convulsões e dores intensas — Friede sobreviveu e se tornou objeto de estudo para a comunidade científica.
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Estudo publicado na Cell Identifica Anticorpos Promissores
A pesquisa, liderada por Jacob Glanville, imunologista e fundador da empresa Centivax, foi publicada na renomada revista Cell. A equipe analisou amostras do sangue de Friede e identificou dois anticorpos altamente eficazes: LNX-D09 e SNX-B03.
Esses anticorpos são capazes de neutralizar neurotoxinas tanto de cadeia longa quanto curta — substâncias responsáveis por paralisar músculos e afetar o sistema nervoso central após picadas de cobras do grupo elapídeo, que inclui mambas-negras, najas e taipans.
Os testes em laboratório combinaram os anticorpos com o medicamento varespladib, já utilizado em alguns tratamentos. A combinação foi eficaz contra venenos de 13 das 19 espécies analisadas, protegendo completamente os camundongos. Nos demais casos, o tratamento prolongou significativamente a vida dos animais expostos.
Principais benefícios do novo tratamento:
- ✅ Menor risco de efeitos colaterais comparado a antídotos derivados de cavalos ou ovelhas.
- ✅ Redução das chances de rejeição imunológica.
- ✅ Potencial de aplicação em hospitais com infraestrutura limitada.
Atualmente, os antídotos disponíveis são específicos para grupos restritos de cobras, o que dificulta sua aplicação em locais com diversidade de espécies ou com acesso limitado a centros médicos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que até 138 mil pessoas morrem por ano em decorrência de picadas de cobra, especialmente em regiões rurais.
Nesse contexto, o novo antídoto representa uma possível solução universal, com formulação baseada em anticorpos humanos e maior tolerabilidade.
Limitações Atuais e Próximos Passos
Apesar dos avanços, o novo antídoto ainda tem atuação restrita aos elapídeos. Ele não demonstrou eficácia contra as víboras, como cascavéis e jararacas, cujos venenos provocam necrose tecidual e afetam o sistema circulatório.
Contudo, os cientistas já trabalham na segunda fase da pesquisa, com foco em desenvolver anticorpos que também neutralizem essas toxinas.
Além da eficácia, os próximos desafios envolvem:
- ✔️ Ensaios clínicos com humanos.
- ✔️ Escalonamento da produção.
- ✔️ Redução dos custos de fabricação.
A ousadia de Tim Friede e a dedicação da equipe liderada por Jacob Glanville abriram um novo caminho na luta contra as picadas de cobra, um problema de saúde pública global. A partir de anticorpos humanos, a ciência pode, enfim, criar um antídoto mais seguro, eficaz e acessível, capaz de salvar vidas mesmo em locais remotos.
Portanto, embora o tratamento ainda esteja em fase inicial, os resultados são promissores e reforçam a importância da inovação científica baseada em experiências reais e corajosas.